domingo, 14 de junho de 2009

Sobre Seus Ombros - meu livro - trecho do primeiro capítulo

Há três dias a chuva era intensa em Natal, tanto que eram raras as pessoas que se aventuravam a sair de casa para outra coisa que não fosse para ir ao trabalho. Os dias eram curtos e as noites excessivamente longas, escuras e frias. Eram raras as pessoas que se lembravam da última vez que olharam para o céu e verem-no límpido e belo, suas estrelas com brilho intenso e a lua majestosa banhando a tudo com sua luz prateada. A chuva era acompanhada de rajadas de vento que chegavam a derrubar árvores e fazer com que barrancos deslizassem. As noites eram sempre escuras, só iluminadas por muito poucos segundos por algum relâmpago que brilhava no céu para logo em seguida apagar. Raios também cortavam o céu para caírem distante, possivelmente no alto mar, numa cidade vizinha ou em algum bairro distante, mais baixo onde a chuva era mais intensa.
Todas as regiões da cidade eram castigadas pela fúria da natureza, várias e várias ruas da cidade estavam tão cheias de enormes poças d’água que se tornava impossível transitar por elas, em outras simplesmente não havia mais a rua, só o que havia era um verdadeiro rio de lama e sujeira, de forma que as pessoas que viviam nessas localidades foram obrigadas, pelos órgãos responsáveis e defesa civil, a deixarem suas residências, levando o pouco que tinham condições de carregar, só podendo se lamentar por tudo que haviam perdido. As pessoas se sentiam impotentes, pois não podiam lutar contra as forças da natureza, a que nunca poderiam vencer.
As grandes e principais avenidas da cidade se encontravam intransitáveis. Nesses dias tempestuosos eram raras as pessoas, motos, carros e ônibus pelas ruas da cidade.
O ano anterior tinha sido péssimo, o calor tinha sido infernal e praticamente toda a safra agrícola tinha sido perdida por muitas das cidades do Estado, mas neste ano o Rio Grande do Norte e principalmente a sua capital sofriam pelo contrário: o excesso de chuvas.
A defesa civil tinha interditado diversas casas, abrigando muitos habitantes em ginásios, colégios ou qualquer local que pudesse abrigar, com o mínimo de segurança e os com muitas vezes sem os mínimos pré-requisitos necessários para tal fim. Muitas casas foram praticamente destruídas pela enxurrada, deslizamento ou outros fatores ocasionados pelas chuvas. Bairros dos mais nobres aos mais humildes sofriam com os efeitos da tempestade. Havia bairros que estavam praticamente ilhados. Os filhos não podiam naqueles dias ir visitar seus pais, os almoços nos dias de domingo na casa dos avós tinham sido cancelados, pois muitos não podiam comparecer, já que não tinham sequer como sair de suas casas.
Aqueles eram dias tristes, especialmente para as pessoas que viviam nos bairros da periferia, onde as condições de infra-estrutura eram tão precárias, as ruas não eram sequer calçadas, de forma que uma lama espessa, amarelo-amarronzada, suja, tomava tudo, entrava nas casas e transmitia doenças às crianças que brincavam descalças no meio da rua.
Muitas das pessoas que viviam em tais bairros, quando tinham algum parente ou amigo, deixavam suas moradias e iam morar com estes pelo menos enquanto as chuvas não abrandavam, mas a maioria ficava, pois não tinham a quem recorrer e rezavam à Deus, pedindo por tudo que há de mais sagrada para que Ele os poupasse daquele infortúnio.
No bairro de Pajuçara, um dos mais distantes, situado no extremo norte da cidade, naquela hora, já perto da meia-noite, todas as casas estavam fechadas e as luzes apagadas. Até mesmo as luzes dos postes, as que ainda não tinham sido quebradas por vândalos ou tinham simplesmente queimado, estavam apagadas, exceto pela que ainda teimava em ficar acesa na esquina.
Mesmo debaixo de toda aquela chuva, sendo castigado pelo vento forte e frio, permanecia debaixo deste único poste com a luz acesa um menino. Tinha pouco mais de seis anos, tinha a pele morena, os cabelos cortados bem curtos e olhos castanhos, mas que estavam vermelhos de tanto sono que sentia naquele momento. Ele estava com muito medo e tudo que mais queria era ir para casa, se enrolar em seu cobertor, que mesmo sujo e rasgado, seria capaz proporcionar um certo conforto e calor, e dormir sossegado e sonhar com dias melhores. Mas ele não podia fazer isso pelo qual seu corpo tanto ansiava, pois ele esperava com toda a persistência de que dispunha e toda a paciência do mundo por seu pai, que tinha saído cedo, muito cedo, antes de o sol raiar, para trabalhar, e ainda não havia voltado. A criança tinha acordado há pouco e percebendo que seu pai ainda não tinha chegado, saíra de casa para esperá-lo, e desde então se encontrava naquele local, sozinho, com frio, com medo, mas consciente de que tinha que fazê-lo, pois seu pai estava muito doente e não podia levar chuva.

Um comentário:

  1. Lima continue produzindo estes textos tão marvilhosos que vc faz. Tenha sempre em mente que para o Universo você é indispensável. Creia nisto!
    Abraços
    Francisco

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