Há um mês, aproximadamente, eu caminhava tranquilamente, indo para o trabalho, quando ouvi alguém me chamando. Olhei imediatamente para o local de onde provinha o chamado, e esperei. Ele dava largos passos em minha direção e ao me alcançar estava tão sem fôlego que parecia ter acabado de completar uma maratona. Esperei que ele se recuperasse, imaginando que o que ele tinha para me dizer fosse algo por demais importante, relevador, que mudasse para sempre minha vida.
Antes dele falar, em meu devaneio, deixei minha fértil imaginação livre, na vã tentativa de adivinhar o que ele tinha de tão importante para revelar.
Imaginei que ele tivesse matado uma pessoa (bem que sempre o achei estranho, anti-social, com um olhar meio homicida), que tivesse ganhado na mega-sena (cara de sorte!), que tinha conquistado aquela deusa com quem estudamos (que todos os alunos da universidade desejavam, mas que nenhum se atrevia a se aproximar), que ia se casar (que loucura!) ou simplesmente iria revelar que era gay (eu sempre o achei meio estranho. Não que eu seja preconceituoso, longe disso. Mas que ele possuía gostos estranhos, isso é inegável. Gostava de Village People e Madonna, seu filme favorito era "Priscila, a Rainha do Deserto". Basta olhar para as roupas que ele usa e seu penteado seguindo a maior moda “EMO”).
Depois de muito respirar para recuperar o fôlego, ele olhou para mim, com um sorriso estampado na face e me soltou a pergunta:
- Onde você vai passar o carnaval?
Menos mal. Ele não era gay afinal de contas.
Eu não tinha pensado nisso até então, fiquei um tempo calado, sem saber o que responder. Dei de ombros e respondi simplesmente a verdade, que não sabia, que não tinha pensado nisso até então.
Passado esse encontro, nesse fatídico dia, fui trabalhar.
Passou-se duas semanas e há exatos quinze dias, encontrei outro amigo, que não via há tempos, que me fez a mesma pergunta.
Imediatamente me lembrei do primeiro amigo e me senti culpado por tê-lo esquecido, por não ter pensando sobre naquilo que constituía algo tão importante para um ser humano, principalmente para mim, na condição de brasileira. Fiquei a me sentir um alguém sem norte, um completo estranho em minha terra, pois todos a quem conhecia já tinham feitos planos (alguns até já tinham planejado a viagem para Olinda desde meados do ano anterior), enquanto eu, um ser insensível, relaxado, desprovido de bom senso, ainda não havia pensado em nada.
Mas tudo bem, após sair do trabalho naquele dia eu prometi para mim mesmo que iria pensar e decidir onde iria passar o carnaval!
O tempo passou, eu simplesmente esqueci de fazer meus planos para o carnaval, e eis que chegou a sexta-feira e vejo todos os amigos, conhecidos, etc, fazendo suas malas, todos empolgados, com a passagem de ida já nas mãos (as de volta deveriam para comprar depois. Vai que acontece alguma coisa interessante na viagem, vai que se conhece a mulher dos sonhos, a que irá se tornar sua esposa e futura mãe de seus filhos? Enfim, é melhor comprar a passagem só de ida. A volta, pensa-se depois), enquanto eu, desalmado como sou, simplesmente esqueci do bendito carnaval.
Como eu iria sobreviver sem carnaval, sem o barulho, sem o mela-mela, sem as noites passadas em claro, sem aquela comida gordurosa, feito de última hora, às pressas, já que ninguém iria se dispor a ir a cozinha preparar algo melhor?
Pensando bem, achei mais interessante esquecer a viagem, afinal de contas, não daria mais pra comprar passagem para lugar algum, já que todos os ônibus estariam lotados, sem falar nos inconvenientes da viagem com aqueles jovens com o som ligado, tocando o hit do verão, todos felizes, cantando alto, no pé de meu ouvido e, além do mais, só em pensar em pegar aquelas filas na rodoviária eu desisti de tudo. Decidi, então, seguir o exemplo de alguns amigos, que nessa época do ano vão para alguma praia, se reúnem com conhecidos da igreja, para o que chamam de refúgio.
Não, eu não preciso de tanto, fugir assim, me isolar de tal maneira. Vou me refugiar em meu quarto, tendo como companhia meus livros, afinal de contas, são quatro dias de folga, de paz, de silêncio, excelentes para se colocar a leitura em dia.
O que vou ler, eu ainda não sei. Fico a olhar para o meu Ulysses, mas só em ver aqueles longos capítulos, aqueles parágrafos sem fim, sem pontuação alguma, fico cansado só em pensar! Vou optar por algo mais leve, mais fácil, afinal de contas, carnaval é época de alegria e quatro dias em casa servirão para descansar, recarregar as baterias, como alguns dizem, afinal de contas, quarta-feira começa tudo de novo.
Também vou aproveitar, já que vou estar em casa, para assistir ao desfile das escolas de samba do Grupo Especial, aos flashs do carnaval de Salvador e de Olinda, ao Galo da Madrugada, afinal de contas, sou brasileiro, e tenho que me portar como tal, tenho assimilar os valores da sociedade em que vivo, afinal de contas, brasileiro que não curte carnaval não é brasileiro.
sábado, 21 de fevereiro de 2009
Livro da Semana - O Totem do Lobo
Em pleno período da Revolução Cultural, no auge do combate do governo às Quatro Velharias (velhas idéias, a velha cultura, os velhos costumes e os velhos hábitos), num lugar da Mongólia Interior, havia, ainda, resquícios da antiga forma de viver, dos antigos valores e costumes, cultivados por pastores nômades, que o estudante vindo de Pequim, Chen Zhen, passa a viver, se interessar e se apaixonar pela vida nas estepes.
Muito mais do que velhos costumes, a vida das estepes na Mongólia Interior são calcadas em valores, em respeito à natureza e à ordem natural das coisas, tendo no lobo o ser superior, à ser reverenciado, cultuado e, acima de tudo, respeitado.
Chen Zhen, um forasteiro, pessoa habituada aos valores da “nova sociedade chinesa”, que tem em Mao o seu grande líder, ao entrar em contato, observando e aprendendo, incorpora, vive, como nenhum outro, de acordo com os velhos costumes dos antigos pastores. O jovem tem em Bilgee, a quem chama carinhosa e respeitosamente de vovô, seu grande mentor, aquele que lhe ensina, que o faz se apaixonar e viver em contraposição a tudo aquilo que estava justamente sendo combatido pelo Governo Central da China. O estudante é levado às estepes para ver e aprender com os seres mais belos, místicos e respeitados pelos povos nômades: os lobos. E ao primeiro contato, de forma impressionante, Chen Zhen passa a temer e respeitar tão belos animais, que regulam a vida nas estepes.
Mas a medida que o tempo passa, que o jovem se envolve e se apaixona cada vez mais pelos lobos, uma idéia se fixa e não saí de sua cabeça. Ele deseja criar um desses animais tão complexos, inteligentes e fascinantes, mesmo tendo consciência de que tal ato poderá lhe gerar uma série de conseqüências, chegando até a quebrar a ordem natural das coisas, pois isso, apesar de ser um ato levado pura e inteiramente pela paixão que tem pelos lobos, é, em contrapartida, um ato de desrespeito para com o animal.
Mas a harmonia e beleza do lugar é quebrada quando homens, gananciosos como só estes o são, em sinal de desconhecimento aos costumes e à sabedoria milenar da estepe, desrespeitam os lobos, declarando assim uma verdadeira guerra aos animais, na qual todos sairão perdedores, não importando quem a vença.
Repleto de descrições fascinantes, ao longo das 500 páginas desse belíssimo romance, o leitor é levado não só a conhecer um outro mundo, costumes, valores e idéias, mas a se apaixonar por estas, a se indignar com a forma como o homem, levado por motivos mesquinhos, pode destruir um algo tão belo, tão perfeito, que levou milênios a ser construído.
Muito mais do que velhos costumes, a vida das estepes na Mongólia Interior são calcadas em valores, em respeito à natureza e à ordem natural das coisas, tendo no lobo o ser superior, à ser reverenciado, cultuado e, acima de tudo, respeitado.
Chen Zhen, um forasteiro, pessoa habituada aos valores da “nova sociedade chinesa”, que tem em Mao o seu grande líder, ao entrar em contato, observando e aprendendo, incorpora, vive, como nenhum outro, de acordo com os velhos costumes dos antigos pastores. O jovem tem em Bilgee, a quem chama carinhosa e respeitosamente de vovô, seu grande mentor, aquele que lhe ensina, que o faz se apaixonar e viver em contraposição a tudo aquilo que estava justamente sendo combatido pelo Governo Central da China. O estudante é levado às estepes para ver e aprender com os seres mais belos, místicos e respeitados pelos povos nômades: os lobos. E ao primeiro contato, de forma impressionante, Chen Zhen passa a temer e respeitar tão belos animais, que regulam a vida nas estepes.
Mas a medida que o tempo passa, que o jovem se envolve e se apaixona cada vez mais pelos lobos, uma idéia se fixa e não saí de sua cabeça. Ele deseja criar um desses animais tão complexos, inteligentes e fascinantes, mesmo tendo consciência de que tal ato poderá lhe gerar uma série de conseqüências, chegando até a quebrar a ordem natural das coisas, pois isso, apesar de ser um ato levado pura e inteiramente pela paixão que tem pelos lobos, é, em contrapartida, um ato de desrespeito para com o animal.
Mas a harmonia e beleza do lugar é quebrada quando homens, gananciosos como só estes o são, em sinal de desconhecimento aos costumes e à sabedoria milenar da estepe, desrespeitam os lobos, declarando assim uma verdadeira guerra aos animais, na qual todos sairão perdedores, não importando quem a vença.
Repleto de descrições fascinantes, ao longo das 500 páginas desse belíssimo romance, o leitor é levado não só a conhecer um outro mundo, costumes, valores e idéias, mas a se apaixonar por estas, a se indignar com a forma como o homem, levado por motivos mesquinhos, pode destruir um algo tão belo, tão perfeito, que levou milênios a ser construído.
domingo, 15 de fevereiro de 2009
Livro da Semana - Ensaio Sobre a Cegueira
José Saramago, primeiro autor português a vencer o Prêmio Nobel de Literatura é, hoje, um dos principais nomes da literatura não só de seu país, mas sim mundial, não só pela sua escrita, tão rica, tão peculiar, mas pela infinidade de personagens que criou, tão vivos, tão reais, e pelas histórias tão cativantes, tão intensas.
O autor, nascido em 1922 na província de Ribatejo, só vem a se firmar na literatura contemporânea com a publicação de Levantado do Chão, em 1980. Tornou-se conhecido internacionalmente após a publicação de Memorial do Convento, em 1982 e consagrou-se ao ser laureado com o Nobel de Literatura de 1998. Grande parte de sua obra remete a história de Portugal, a qual o autor propõe uma revisão crítica. Suas narrativas muitas vezes pretendem nos levam a revisitar o passado, mas com olhos do presente, no entanto, alguns de seus mais conhecidos livros, como O Evangelho Segundo Jesus Cristo, livro este que lhe valeu a excomunhão, e Ensaio Sobre a Cegueira, o alvo deixa de ser a história portuguesa para fixar-se no personagem, no ser humano.
Em Ensaio Sobre a Cegueira, a história se passa numa cidade fictícia em que um personagem comum, que leva uma vida comum é, de repente, quando se dirigia para casa em seu carro ao parar num sinal de trânsito, é acometido de uma cegueira súbita, que, diferentemente da cegueira comum, esta é leitosa e branca. Desesperado, o personagem não sabe o que lhe aconteceu e é ajudado por um homem, que se oferece para deixá-lo em casa, são e salvo. Sua esposa, ao chegar em casa e ver o marido em tão abalado estado emocional, o leva a um oftalmologista e lá ele tem contato com diversas pessoas, e a partir daí começa a se espalhar em todos com quem tem alguma espécie de contato a epidemia de cegueira.
Os primeiros cegos, na história, são todos levados a um antigo manicômio desativado da cidade, e lá são postos em quarentena, isolado de tudo e de todos, a fim de evitar que outras pessoas sejam infectadas pela inexplicável doença desconhecida. Mas o que antes se resumia a um único grupo, restrito a poucas pessoas acometidas pela tal cegueira, logo toma proporções gigantescas, e todas as pessoas vão, uma a uma, sendo confinadas àquele depósito de gente, àquele manicômio, até que não resta mais ninguém com visão clara, a exceção de uma única pessoa, a mulher do médico que atendeu ao primeiro cego, que presencia e ver aquilo a que olho humano algum imaginava, um dia, enxergar: o estado a que se rebaixou a humanidade, seus vícios, suas fraquezas, seus medos e suas corrupções.
Livro intenso, cativante e perturbador, Ensaio Sobre a Cegueira figura entre os principais romances de José Saramago e um dos mais instigantes e complexos da literatura contemporânea mundial.
O autor, nascido em 1922 na província de Ribatejo, só vem a se firmar na literatura contemporânea com a publicação de Levantado do Chão, em 1980. Tornou-se conhecido internacionalmente após a publicação de Memorial do Convento, em 1982 e consagrou-se ao ser laureado com o Nobel de Literatura de 1998. Grande parte de sua obra remete a história de Portugal, a qual o autor propõe uma revisão crítica. Suas narrativas muitas vezes pretendem nos levam a revisitar o passado, mas com olhos do presente, no entanto, alguns de seus mais conhecidos livros, como O Evangelho Segundo Jesus Cristo, livro este que lhe valeu a excomunhão, e Ensaio Sobre a Cegueira, o alvo deixa de ser a história portuguesa para fixar-se no personagem, no ser humano.
Em Ensaio Sobre a Cegueira, a história se passa numa cidade fictícia em que um personagem comum, que leva uma vida comum é, de repente, quando se dirigia para casa em seu carro ao parar num sinal de trânsito, é acometido de uma cegueira súbita, que, diferentemente da cegueira comum, esta é leitosa e branca. Desesperado, o personagem não sabe o que lhe aconteceu e é ajudado por um homem, que se oferece para deixá-lo em casa, são e salvo. Sua esposa, ao chegar em casa e ver o marido em tão abalado estado emocional, o leva a um oftalmologista e lá ele tem contato com diversas pessoas, e a partir daí começa a se espalhar em todos com quem tem alguma espécie de contato a epidemia de cegueira.
Os primeiros cegos, na história, são todos levados a um antigo manicômio desativado da cidade, e lá são postos em quarentena, isolado de tudo e de todos, a fim de evitar que outras pessoas sejam infectadas pela inexplicável doença desconhecida. Mas o que antes se resumia a um único grupo, restrito a poucas pessoas acometidas pela tal cegueira, logo toma proporções gigantescas, e todas as pessoas vão, uma a uma, sendo confinadas àquele depósito de gente, àquele manicômio, até que não resta mais ninguém com visão clara, a exceção de uma única pessoa, a mulher do médico que atendeu ao primeiro cego, que presencia e ver aquilo a que olho humano algum imaginava, um dia, enxergar: o estado a que se rebaixou a humanidade, seus vícios, suas fraquezas, seus medos e suas corrupções.
Livro intenso, cativante e perturbador, Ensaio Sobre a Cegueira figura entre os principais romances de José Saramago e um dos mais instigantes e complexos da literatura contemporânea mundial.
domingo, 8 de fevereiro de 2009
O Pássaro de Penas Douradas - conto
No cume da mais alta montanha, onde o Sol toca a Terra, havia um ninho que não era feita de gravetos e folhas secas, mas como que tivesse nascido, brotado da terra, moldado pela chuva insaciável, o vento incessante e o calor escaldante do sol. Nele pousava um único e solitário ovo, grande, belo, de superfície lisa, clara e brilhante, como a mais perfeita pérola do mundo.
Nenhum animal, que rastejasse ou voasse, chegava até tão alto, de forma que o ovo não era protegido e chocado pelo calor do ventre de um pássaro, mas sim do sol, que quando se encontrava em seu ponto mais alto no céu, tocava a montanha e mantinha sob si o precioso tesouro.
Um dia, justamente quando o Sol preparava-se para pousar sobre seu ninho, um estalo se fez ouvir. Foi um som alto, cortante, forte, como se a montanha tivesse rachado. Após esse som, seguiram-se outros e mais outros, como se trovões ribombassem por todo o firmamento. Mas não eram trovões, pois não havia nuvem alguma e o sol se mostrava majestoso no céu. O que provocava todo aquele barulho era o ovo, que trincava, rachava e quebrava, pois dentro dele algo com uma força muito grande, muito maior do que aquele invólucro poderia conter, lutava para sair, para se ver livre, para inspirar o cálido ar do verão, por sentir o calor de seu pai, o sol, em todo o seu corpo. Naquele instante em que aquela prisão fora destruída e o pássaro se viu livre, que olhou para o alto e viu sobre si o sol, abriu as asas, deixando todo o seu corpo à vista, e naquele momento o dourado do astro-rei se fixou em suas penas, em seus olhos, em seu corpo e na sua voz. O pássaro que nascia olhou para baixo e viu sob si o mundo, que ansiava por sua presença, então abriu o bico e encheu o ar com seu canto límpido e harmonioso, e num gesto singelo e seguro, com as asas já abertas, desceu de seu ninho e jogou-se num vôo rasante ao sopé da montanha.
Todos os pássaros do mundo paravam para reverenciá-lo e cantar em sua homenagem, em seu louvor, e quando o Pássaro de Penas Douradas cantava todos os seres vivos do mundo paravam, em silêncio, em êxtase para ouvi-lo, absorvendo cada nota daquela canção.
Eis que um homem ao ouvir tão portentoso canto, sentindo-se maravilhado, desejou ter aquela pássaro para si, e dia após dia ele ficava em frente a sua casa a observa o maravilhoso animal, com suas asas abertas a voar livre pelos seus, tendo às suas costas, ao passar por entre as nuvens, belíssimos e multicoloridos arco-íris.
O homem parado, olhando para o céu, cantou o mais belo canto, vindo das profundezas de sua alma, e o pássaro, ao ouvi-lo, surgindo por entre as nuvens, desceu à terra e pousou aos pés daquele que cantava, vendo-o derramar-se em lágrimas, inebriado pela própria canção. O pássaro chorou, abriu as asas e deu um salto, vindo pousar no ombro daquele que agora silenciava, pois esperava pelo canto do pássaro, que não tornou a cantar. A ave deixou que o homem o acariciasse, passasse sua rústica mão com a pele seca por sobre seu dorso longo, esbelto e delicado, pela sua cabeça e por suas grandes asas. O homem então o conduziu para dentro de seu recinto, onde trancou a ave, pois queria tê-lo para si, queria que o pássaro cantasse, agora, em seu louvor. Mas o Pássaro de Penas Douradas silenciou; e seus olhos, antes tão brilhosos, belos e cheios de vida, vitrificaram e suas penas, antes tão esplendorosas, perderam o brilho, tornando-se opacas, sem vida, sem brilho, sem beleza alguma.
Dia após dia o homem cantava furioso para o pássaro, tentando fazer com que ele o acompanhasse em sua canção, o que a ave não fazia. Ficava apenas parada, com o olhar vazio, mirando o céu, encoberto por nuvens, que se via através de uma fresta na janela.
Desabava uma tempestade, como se o céu chorasse pelo pássaro, por não mais tê-lo para si, por não mais poder senti-lo em seu seio, a acariciar suas nuvens. O sol, opaco, perdia pouco a pouco sua vida, seu brilho, seu calor. Os demais pássaros não mais cantavam ao amanhecer, pois não havia mais aurora, já que o sol não mais nascia no horizonte, uma vez que estava quase morto no céu, movendo-se lentamente, como se lhe tivessem cortado suas asas.
Então o homem, desesperado, ao ouvir o clamor do silêncio da natureza, tomou a mais sábia decisão: abriu as portas e deixou que apenas uma réstia de luz entrasse em sua casa e atingisse os olhos do pássaro, que ao sentir novamente o calor do sol, de seu pai, renasceu em todo o seu esplendor, abriu as asas a cantou em louvor a vida que sentia novamente pulsar dentro de si, em louvor a liberdade que lhe era restituída. Voou e ao passar pelo homem deixou que uma de suas penas douradas caísse e delicadamente fosse pousar aos pés daquele que lhe tinha dado a liberdade, em sinal de agradecimento.
Naquela manhã, o pássaro voou pelos céus, por entre as nuvens, fazendo atrás de si o mais belo e ricamente colorido arco-íris jamais visto, que o homem, lá embaixo, na terra, contemplou com seus olhos, antes cegos pela cobiça, mas agora restituídos de visão clara. E o pássaro cantou, como o cântico de mil anjos, por estar livre, por sentir-se novamente vivo, sentindo o vento sob suas asas.
Nenhum animal, que rastejasse ou voasse, chegava até tão alto, de forma que o ovo não era protegido e chocado pelo calor do ventre de um pássaro, mas sim do sol, que quando se encontrava em seu ponto mais alto no céu, tocava a montanha e mantinha sob si o precioso tesouro.
Um dia, justamente quando o Sol preparava-se para pousar sobre seu ninho, um estalo se fez ouvir. Foi um som alto, cortante, forte, como se a montanha tivesse rachado. Após esse som, seguiram-se outros e mais outros, como se trovões ribombassem por todo o firmamento. Mas não eram trovões, pois não havia nuvem alguma e o sol se mostrava majestoso no céu. O que provocava todo aquele barulho era o ovo, que trincava, rachava e quebrava, pois dentro dele algo com uma força muito grande, muito maior do que aquele invólucro poderia conter, lutava para sair, para se ver livre, para inspirar o cálido ar do verão, por sentir o calor de seu pai, o sol, em todo o seu corpo. Naquele instante em que aquela prisão fora destruída e o pássaro se viu livre, que olhou para o alto e viu sobre si o sol, abriu as asas, deixando todo o seu corpo à vista, e naquele momento o dourado do astro-rei se fixou em suas penas, em seus olhos, em seu corpo e na sua voz. O pássaro que nascia olhou para baixo e viu sob si o mundo, que ansiava por sua presença, então abriu o bico e encheu o ar com seu canto límpido e harmonioso, e num gesto singelo e seguro, com as asas já abertas, desceu de seu ninho e jogou-se num vôo rasante ao sopé da montanha.
Todos os pássaros do mundo paravam para reverenciá-lo e cantar em sua homenagem, em seu louvor, e quando o Pássaro de Penas Douradas cantava todos os seres vivos do mundo paravam, em silêncio, em êxtase para ouvi-lo, absorvendo cada nota daquela canção.
Eis que um homem ao ouvir tão portentoso canto, sentindo-se maravilhado, desejou ter aquela pássaro para si, e dia após dia ele ficava em frente a sua casa a observa o maravilhoso animal, com suas asas abertas a voar livre pelos seus, tendo às suas costas, ao passar por entre as nuvens, belíssimos e multicoloridos arco-íris.
O homem parado, olhando para o céu, cantou o mais belo canto, vindo das profundezas de sua alma, e o pássaro, ao ouvi-lo, surgindo por entre as nuvens, desceu à terra e pousou aos pés daquele que cantava, vendo-o derramar-se em lágrimas, inebriado pela própria canção. O pássaro chorou, abriu as asas e deu um salto, vindo pousar no ombro daquele que agora silenciava, pois esperava pelo canto do pássaro, que não tornou a cantar. A ave deixou que o homem o acariciasse, passasse sua rústica mão com a pele seca por sobre seu dorso longo, esbelto e delicado, pela sua cabeça e por suas grandes asas. O homem então o conduziu para dentro de seu recinto, onde trancou a ave, pois queria tê-lo para si, queria que o pássaro cantasse, agora, em seu louvor. Mas o Pássaro de Penas Douradas silenciou; e seus olhos, antes tão brilhosos, belos e cheios de vida, vitrificaram e suas penas, antes tão esplendorosas, perderam o brilho, tornando-se opacas, sem vida, sem brilho, sem beleza alguma.
Dia após dia o homem cantava furioso para o pássaro, tentando fazer com que ele o acompanhasse em sua canção, o que a ave não fazia. Ficava apenas parada, com o olhar vazio, mirando o céu, encoberto por nuvens, que se via através de uma fresta na janela.
Desabava uma tempestade, como se o céu chorasse pelo pássaro, por não mais tê-lo para si, por não mais poder senti-lo em seu seio, a acariciar suas nuvens. O sol, opaco, perdia pouco a pouco sua vida, seu brilho, seu calor. Os demais pássaros não mais cantavam ao amanhecer, pois não havia mais aurora, já que o sol não mais nascia no horizonte, uma vez que estava quase morto no céu, movendo-se lentamente, como se lhe tivessem cortado suas asas.
Então o homem, desesperado, ao ouvir o clamor do silêncio da natureza, tomou a mais sábia decisão: abriu as portas e deixou que apenas uma réstia de luz entrasse em sua casa e atingisse os olhos do pássaro, que ao sentir novamente o calor do sol, de seu pai, renasceu em todo o seu esplendor, abriu as asas a cantou em louvor a vida que sentia novamente pulsar dentro de si, em louvor a liberdade que lhe era restituída. Voou e ao passar pelo homem deixou que uma de suas penas douradas caísse e delicadamente fosse pousar aos pés daquele que lhe tinha dado a liberdade, em sinal de agradecimento.
Naquela manhã, o pássaro voou pelos céus, por entre as nuvens, fazendo atrás de si o mais belo e ricamente colorido arco-íris jamais visto, que o homem, lá embaixo, na terra, contemplou com seus olhos, antes cegos pela cobiça, mas agora restituídos de visão clara. E o pássaro cantou, como o cântico de mil anjos, por estar livre, por sentir-se novamente vivo, sentindo o vento sob suas asas.
Livro da Semana - A Pérola
Vencedor do Prêmio Pulitzer de 1939 e do Nobel de 1963, John Steinbeck, frequentemente esnobado pela crítica e descrito como “sociólogo da literatura” e “documentarista”, tem na miséria que se seguiu à Depressão de 1929 o tema central de sua obra, através da qual expunha as vísceras e mazelas da sociedade norte-americana, nas classes menos favorecidas. Como poucos escritores, Steinbeck se debruça sobre a fragilidade do “sonho americano” e foi duramente criticado em seu país, a ponto de ter um de seus livros, As Vinhas da Ira (1939) banido de várias bibliotecas e escolas públicas.
Notadamente politizada e crítica, a obra de Steinbeck, A Pérola, mostra uma outra faceta do escritor, em que explora muito mais o individuo, seus vícios, sua mente e, acima de tudo, seus sonhos.
A Pérola é a história de um pobre pescador que, ao acordar numa manhã e olhar para o lado sente a tranqüilidade e felicidade por estar ao lado da família, sendo que este sentimento logo é sobrepujado pelo de desespero e ódio quando um escorpião pica seu único filho. Desesperado, o homem vai procurar o auxílio de um médico, que não o ajuda a salvar a criança, alegando motivos torpes.
O homem vai, então, com sua família, composta de sua mulher e filho, ao mar, em busca de algo com possa pagar o médico para cuidar da criança. Encontra, então, algo que vai mudar para sempre não só a sua vida, mas a de todos os que estão próximos a ele: uma pérola, grande, lisa, com uma linda coloração, a mais perfeita do mundo.
Ao encontrar tal preciosidade, o homem, em seu devaneio, sonha com um futuro melhor, digno, que poderá dar ao filho e a esposa; mas seu tesouro atrai também olhares cobiçosos e invejosos de homens que vão tentar, a todo custo, tomar para si aquela dádiva, tão perfeita e bela, como um presente dado pela natureza. Arrebatador e intenso do início ao fim, A Pérola é, sem dúvida, um dos maiores livros da literatura norte-americana, figurando entre as principais parábolas, entre as principais metáforas na literatura do século XX.
Notadamente politizada e crítica, a obra de Steinbeck, A Pérola, mostra uma outra faceta do escritor, em que explora muito mais o individuo, seus vícios, sua mente e, acima de tudo, seus sonhos.
A Pérola é a história de um pobre pescador que, ao acordar numa manhã e olhar para o lado sente a tranqüilidade e felicidade por estar ao lado da família, sendo que este sentimento logo é sobrepujado pelo de desespero e ódio quando um escorpião pica seu único filho. Desesperado, o homem vai procurar o auxílio de um médico, que não o ajuda a salvar a criança, alegando motivos torpes.
O homem vai, então, com sua família, composta de sua mulher e filho, ao mar, em busca de algo com possa pagar o médico para cuidar da criança. Encontra, então, algo que vai mudar para sempre não só a sua vida, mas a de todos os que estão próximos a ele: uma pérola, grande, lisa, com uma linda coloração, a mais perfeita do mundo.
Ao encontrar tal preciosidade, o homem, em seu devaneio, sonha com um futuro melhor, digno, que poderá dar ao filho e a esposa; mas seu tesouro atrai também olhares cobiçosos e invejosos de homens que vão tentar, a todo custo, tomar para si aquela dádiva, tão perfeita e bela, como um presente dado pela natureza. Arrebatador e intenso do início ao fim, A Pérola é, sem dúvida, um dos maiores livros da literatura norte-americana, figurando entre as principais parábolas, entre as principais metáforas na literatura do século XX.
domingo, 1 de fevereiro de 2009
Livro da Semana - A Vida Secreta das Abelhas
Mais do que uma obra literária, uma ficção, um romance, um drama, A Vida Secreta das Abelhas, da escritora norte-americana é um retrato de uma época, de valores, de afeições, é um retrato da vida.
A história passa-se numa pequena cidade dos Estados Unidos e narra a história de uma jovem chamada Lilly, cuja única lembrança que tem da mãe foi a do dia em que ela desapareceu, quando a menina contava então com 4 anos. Essas são lembranças confusas, mas que ficaram gravadas como ferro em brasa na pele, na cabeça e no coração da criança. Lembra-se da expressão assustada na face da mulher, retirando todas as roupas e jogando-as dentro de uma mala enquanto, antes que seu marido voltasse para casa. Mas por mais pressa que tivesse, o homem a surpreendeu, e houve uma discussão. No auge da discussão, em que a menina assistia a tudo num canto do quarto, uma arma cai no chão, e quanto ela se abaixa para pega-la, o pai, furioso, a toma de suas mãos e ouve-se um estrondo...
Com essas únicas lembranças da mãe, Lilly conviveu durante anos. Em sua casa não tem qualquer tipo de afeição vinda do pai (que ela não chama de pai, pois isso ele nunca o foi. Ela o chama apenas de “T-Ray), ficando, assim, enclausurada dentro e si mesma e o única afeição que lhe é destinada vem de uma empregada velha e negra que eles tem em casa.
A menina fica a remexer suas memórias, a lembrar de sua mãe através de uns poucos pertences que ela deixou e entre esses existe uma imagem de Maria, mãe de Jesus, preta, o que a deixa intrigada, pois nunca tinha visto ou ouvido falar de qualquer menção a esse ponto, e uma inscrição na parte de trás dessa imagem, com a letra de sua mãe: Tiburon, nome de uma cidade, que a menina imagina ser um lugar onde sua mãe viveu. Com essa idéia, ela traça planos de ir até tal localidade a fim de obter informações sobre sua mãe, só não sabe quando e como fará isso, até que um fato, que retrata todo o ódio e preconceito racial nos Estados Unidos adianta seus planos, e a menina tem que deixar pra trás sua casa, onde não tinha qualquer afeição vinda de seu próprio pai, para salvar a vida daquela empregada negra, vítima de preconceito. E para salvar a vida dessa mulher, a menina vai ao único lugar que acredita, ainda, existir algo de sua mãe. Nesse livro, Sue Monk Kidd nos transporta aos Estados unidos da década de 60, palco de conflitos, lutas e preconceitos raciais. Recheado de personagens fortes e marcantes, somos convidados a embarcar na empreitada de Lilly, a órfã de afeição, e conhecer que existe algo além de ódio e mentiras no mundo, a encontrar um sentido, uma beleza na vida, muito mais do que ela imaginava existir.
obra genial, contada com uma delicadeza impressionante, A Vida Secreta das Abelhas nos prende e nos envolve tanto quanto leitores quanto como seres humanos, da primeira a última palavra.
A história passa-se numa pequena cidade dos Estados Unidos e narra a história de uma jovem chamada Lilly, cuja única lembrança que tem da mãe foi a do dia em que ela desapareceu, quando a menina contava então com 4 anos. Essas são lembranças confusas, mas que ficaram gravadas como ferro em brasa na pele, na cabeça e no coração da criança. Lembra-se da expressão assustada na face da mulher, retirando todas as roupas e jogando-as dentro de uma mala enquanto, antes que seu marido voltasse para casa. Mas por mais pressa que tivesse, o homem a surpreendeu, e houve uma discussão. No auge da discussão, em que a menina assistia a tudo num canto do quarto, uma arma cai no chão, e quanto ela se abaixa para pega-la, o pai, furioso, a toma de suas mãos e ouve-se um estrondo...
Com essas únicas lembranças da mãe, Lilly conviveu durante anos. Em sua casa não tem qualquer tipo de afeição vinda do pai (que ela não chama de pai, pois isso ele nunca o foi. Ela o chama apenas de “T-Ray), ficando, assim, enclausurada dentro e si mesma e o única afeição que lhe é destinada vem de uma empregada velha e negra que eles tem em casa.
A menina fica a remexer suas memórias, a lembrar de sua mãe através de uns poucos pertences que ela deixou e entre esses existe uma imagem de Maria, mãe de Jesus, preta, o que a deixa intrigada, pois nunca tinha visto ou ouvido falar de qualquer menção a esse ponto, e uma inscrição na parte de trás dessa imagem, com a letra de sua mãe: Tiburon, nome de uma cidade, que a menina imagina ser um lugar onde sua mãe viveu. Com essa idéia, ela traça planos de ir até tal localidade a fim de obter informações sobre sua mãe, só não sabe quando e como fará isso, até que um fato, que retrata todo o ódio e preconceito racial nos Estados Unidos adianta seus planos, e a menina tem que deixar pra trás sua casa, onde não tinha qualquer afeição vinda de seu próprio pai, para salvar a vida daquela empregada negra, vítima de preconceito. E para salvar a vida dessa mulher, a menina vai ao único lugar que acredita, ainda, existir algo de sua mãe. Nesse livro, Sue Monk Kidd nos transporta aos Estados unidos da década de 60, palco de conflitos, lutas e preconceitos raciais. Recheado de personagens fortes e marcantes, somos convidados a embarcar na empreitada de Lilly, a órfã de afeição, e conhecer que existe algo além de ódio e mentiras no mundo, a encontrar um sentido, uma beleza na vida, muito mais do que ela imaginava existir.
obra genial, contada com uma delicadeza impressionante, A Vida Secreta das Abelhas nos prende e nos envolve tanto quanto leitores quanto como seres humanos, da primeira a última palavra.
Assinar:
Postagens (Atom)