Aquele era um dia muito especial para ele,
pois estava completando 10 anos, idade em que, para um menino, se deixa de ser
criança e passa a dar um primeiro passo em direção àquela fase de tantas
descobertas que é a da adolescência. Iniciava-se, naquele dia, uma nova fase de
sua vida, em que ele passaria a ostentar o orgulho de ser um pré-adolescente. Estava
ansioso, desejoso de saber o que iria ganhar de presente dos pais. Seus amigos
falavam do orgulho do que tinham ganhado no dia de seus aniversários de dez
anos dos pais. Um havia ganhado um videogame novo, outro, uma bola oficial,
igual aos que os jogadores jogaram na última copa do mundo, um terceiro ganhara
uma camisa oficial de seu time de coração, um colega de escola, um celular de última geração, um primo, um
computador, outros amigos, apetrechos eletrônicos diversos. Havia, de todas as
maneiras possíveis, descobrir o que iria ganhar, mas nem seu pai nem sua mãe
lhe davam pistas. Ele deu a entender o que gostaria de ganhar, mas nenhum dos
dois lhe dera muita atenção. Teria que se contentar com a surpresa, em receber
o presente somente na hora da festa.
Em
casa estava quase tudo pronto para a festa, a última festa de aniversário com
direito a bolo, refrigerante e lancheiras, afinal de contas no seu aniversário
seguinte ele completaria 11 anos e já não seria mais criança para uma festa
como aquela daquele dia. As horas passavam e quanto mais se aproximava, mais
ansioso ele ficava para receber os convidados e os presentes e mais ainda para
abrir o embrulho que escondia o grande presente, aquele pelo qual tanto ansiava
receber desde que passou a ter consciência do quão importante significava para
um menino ter dez anos!
No
final da tarde e início da noite, os convidados começaram a chegar, cada um
trazendo seus presentes, desejando-lhe parabéns, dando-lhe tapas carinhosas no
ombro, falando o quão grande estava, etc. A cada instante, ele olhava para trás
e via os pais, sempre sorridentes, como que esperando que eles viessem lhe dar
o presente que haviam comprado, mas eles não davam um único passo em sua
direção.
Foram
tantos os convidados que ele recebeu, foram tantos os presentes e cumprimentos
recebidos que ele, por instantes, se esqueceu da ansiedade de receber o
presente dos pais. Cantou-se o parabéns, ficou entretido em uma conversa com
amigos e primos, distribuiu-se as lancheiras, e lá pelas tantas horas da noite,
quando vários dos convidados já tinham ido embora, alguém lá de dentro gritou: “hora
de abrir os presentes!”. Ele, com um enorme sorriso, correu para onde os
presentes estavam todos empilhados e já se sentava no chão, acompanhado dos
melhores amigos, quando seus pais lhe chamaram a atenção e lhe entregaram um
belíssimo embrulho. Seu sorriso ficou ainda maior. Sentiu a caixa, que era
pesada, tentando adivinhar do que se tratava, mas por mais que a apalpasse, não
conseguia descobrir do que se tratava. Olhava ora para o pai, ora para a mãe, e
eles só sorriam divertidos, e diziam “adivinhe o que é”. Ele disse os nomes de
algumas coisas que ele gostaria de ganhar, e eles só diziam “xiii, errou!”, “’tá
frio”, e coisas do tipo. Então, cansou daquela brincadeira de adivinhação e
começou a rasgar o papel de presente, primeiro com cuidado, e depois de forma
descoordenada e ansiosa, e quando terminou, não gostou nada do que tinha diante
de si: uma belíssima coleção de livros!
-
O quê? Livros! – disse ele, com notável decepção na voz.
-
Gostou? – perguntaram juntos pai e mãe.
Ele
não respondeu, e apenas colocou no chão, num canto, os livros.
Abriu
os demais presentes, muitos dos quais lhe agradaram muito, sendo justamente
coisas que ele queria ganhar, mas não estava mais tão empolgado, afinal de
contas, seus pais não lhe presentearam com algo tão especial quanto ele
esperava!
Terminada
a festa, quando todos os convidados foram embora, ele ficou só com os pais, e
começaram a guardar as coisas e a dar um jeito na casa. Os livros, que seus
pais com tanto carinho escolheram e lhe deram, foram a última coisa que ele
levou para dentro, para seu quarto, para junto dos demais presentes que tinha
ganhado. Colocou-os lá num canto, onde normalmente guardava as coisas que pouco
usava, os brinquedos velhos com os quais não mais brincava.
Nos
dias seguintes, tão desapontado estava com seus pais que quase não lhes dirigia
palavras, e mesmo os evitava. Os livros ficaram esquecidos sob aquela pilha de
coisas que ele não usava.
Meses
se passaram e os presentes que ganhara foram sendo usados, alguns quebraram,
outros simplesmente se acabaram ou foram para a pilha de coisas que ele não
mais usava. Quando via os amigos, via que os celulares que estes haviam ganhado
já estavam ultrapassados, os computadores não mais despertavam interesse, os
videogames não eram ligados há semanas, as bolas de futebol haviam furado, e as
camisas oficiais de times de futebol estavam sujas rasgadas e repletas de
manchas. Naquele fim de tarde, ao entrar no seu quarto, jogou-se sobre a cama,
sentindo-se entediado. Nenhum dos presentes que ganhara lhe despertava o
interesse. Ligou a televisão, não passava nada de interessante, ligou o
videogame, os jogos já não mais lhe desafiavam, ligou o computador, não havia
ninguém online com quem conversar. Soltou todo o ar dos pulmões, irritado, e
voltou a se jogar na cama e ficou fitando o teto. Ouvia os sons da casa, de
seus pais conversando enquanto preparavam o jantar. Ele então olhou de lado e
viu, naquela “pilha de velharias”, como ele mesmo a havia batizado, e viu, lá
na “base da pirâmide”, aqueles livros, os quais ele nunca havia aberto. Esticou
o braço e pegou o primeiro deles, de forma despretensiosa, já com uma cara de
entediado até, e o abriu de forma descuidada. Respirou duas ou três vezes com
os olhos fechados antes de ler a primeira frase...
Passaram-se
horas sem que ele se desse conta. Sua mãe primeiro, depois seu pai, veio lhe
chamar para jantar, ao que ele respondeu “vou já. Deixa eu ler só mais esse
capítulo”. Quando ele deu por si, já era noite alta, seus pais já haviam ido
dormir, deixando para ele o jantar dentro do micro-ondas. Ele então olhou para
o livro, que já tinha devorado mais da metade com uma ânsia que desconhecia ter
dentro de si, percebeu o quão maravilhoso e edificante havia sido aquele
presente de aniversário que seus pais lhe deram. Foi bater à porta do quarto
deles, e quando responderam que a porta estava aberta, que podia entrar. Ele então
entrou e se jogou na cama dos pais, abraçou aos dois e agradeceu efusivamente o
presente de aniversário que eles haviam lhe dado.