quinta-feira, 30 de maio de 2013

O homem que sentia o mundo



Ele via, todos os dias, o sol descrever seu arco no céu. Via o sol a pino e seu suave declínio até se extinguir no horizonte, deixando, em seu lugar, uma majestosa lua a iluminar a escuras noites e um céu salpicado de incontáveis estrelas.
Ele perdia horas a fio em silenciosa contemplação da vida, gritando mudas palavras para todos ouvirem, clamando para que todos, onde quer que estivessem, pudessem ver e se deliciar com a simples beleza da vida.
Ele via as nuvens em suas multiformas em seu livre vagaroso caminhar pelo céu. Via-as fundirem-se umas com as outras e adquirirem formas ameaçadoras e via-as separando-se e dissolvendo-se.
Ele via e sentia o mundo que se descortinava diante de seus olhos.
Ele ouvia, todos os dias, todos os sons dos animais que saldavam o nascer do sol e o início de um novo dia de vida. Ouvia, também, depois que o sol se punha, os barulhos e sons infindos da noite, vida dormindo e da vida acordando para uma caçada noturna.
Ele ouvia o barulho silencioso da vida, do crescimento das plantas e das montanhas; ouvia as palavras e vozes que o vento lhe trazia e ria com o que elas diziam.
Ele ouvia a harmoniosa e perfeita canção da natureza tocada por uma numerosa orquestra que não tinha e não precisava de um regente.
Ele falava, todos os dias, para o mundo todo ouvir, elogiando-o por sua grandeza, por sua imensa beleza nas pequenas e praticamente imperceptíveis coisas.
Ele falava palavras desconexas as quais o vento levava e depositava apenas nos ouvidos daqueles que tinham a sensibilidade e clareza de espírito suficiente para compreendê-las.
Ele sentia o cheiro, todos os dias, do amanhecer, da terra molhada.
Ele contava os dias, via as estações do ano passarem uma a uma até a chegada da primavera, só para sentir o doce aroma do desabrochar das primeiras flores.
Ele sentia o toque da vida, a carícia do vento a lhe embalar, a lhe convidar para uma dança ao som de uma música muda, mas que podia ser ouvida apenas por aqueles que tinham ouvidos para ouvir.
Ele tocava o mundo com suas mãos num toque suave e podia senti-lo sob seus pés na terra molhada e na grama úmida de orvalho de cada manhã.
Ele provava o gosto da vida a cada nova manhã, a cada despertar, e cada dia era um gosto novo, um gosto único de um doce inebriante que lhe tomava todos os sentidos e o fazia delirar de um prazer profundo e único de gozo pela vida.
Ele sentia todo o mundo com todo o seu corpo em toda a plenitude de seus sentidos, e nesses momentos ele não se sentia apenas mais uma, mais uma vida entre tantas vidas nesse imenso mundo, mas sim único, uma parte única e integrante daquele imenso quebra-cabeça em que cada peça é essência, é própria, é única, em que cada peça é vida.

domingo, 26 de maio de 2013

Doces lembranças, dura realidade...



Após tantos e tão longos anos, voltei. Mas tal foi a minha surpresa ao me deparar com tal cena que se descortinava diante de meus olhos. Deveria ter ficado onde estava, distante, e permanecer com a imagem que guardava em minhas lembranças do que ter diante de mim aquilo que meus olhos viam e que minha razão demorava a crer. Não havia qualquer som, seja de risada, o latido de um cão ou o canto de um pássaro. Nada restava ali. Tudo estava morto. Uma única e doída lágrima me escapou do olhou e escorreu por minha face. Não tentei contê-la, escondê-la ou limpar o rosto, pois aquela era uma lágrima verdadeira, que brotava do fundo de minha alma.
            Andei distraído, contando os passos, revisitando na memória cada um daqueles lugares que não mais existiam. Tudo era desolador e me doía fundo no peito. Em minha ingenuidade, imaginava que aquele lugar ficaria eternamente a me esperar, como um refúgio, onde eu poderia me recolher e voltar a ser o que um dia fui. Mas ao ver aquilo, sentir aquela dor no peito, sentir as lágrimas que brotavam em abundância de minha alma e escorriam pela minha face, percebi que não fui ingênuo, mas sim um tolo ao acreditar naquela fantasia que só existia em minha cabeça, em minhas lembranças, pela qual nutria tanta esperança.
            Senti um frio me percorrer o corpo, apesar do calor que fazia, pois não havia, ali, mais uma única sombra onde pudesse me refugiar. Sentei-me naquele chão duro, tão pouco acolhedor e peguei um punhado de terra e deixei que ela me escorresse por entre os dedos. Não era mais a mesma terra de outros tempos. Olhei para o alto e o vi tão cinza, como tudo ao meu redor, da cor que ia se tingindo, pouco a pouco, a minha alma. Soltei um suspiro fundo e fechei os olhos, com a esperança de que, ao reabri-los, veria tudo diferente, e cheguei a escutar os ecos de outros tempos reverberando nas paredes de minha memória e cheguei até a sorrir. Não queria abrir os olhos nunca mais e sair dali como chegara, com as doces lembranças dos tempos passados que sonhava ainda poder reviver.
            Levantei-me lentamente, ainda com os olhos fechados, apoiando-me no chão com as mãos, pois me sentia fraco. As minhas pernas, que haviam me trazido até ali, haviam perdido as forças e se negavam a me levar embora, como se se negassem a me obedecer, como se desejassem aumentar ainda mais a tortura da dor que sentia naquele momento. Inspirei fundo duas ou três vezes na tentativa de sentir os cheiros que me eram tão familiares, mas o que senti foi o cheiro da poeira que pairava no ar.
            Não queria, mas precisava novamente abrir os olhos, pois necessitava, mais uma vez, me punir pela minha tolice, por ter desejado voltar aquele lugar, para comprovar a minha insensatez ao crer que a infância é eterna, que estará para sempre ali, a nos esperar, para quando quisermos regressar a ela e fugir do mundo, da rotina, do dia-a-dia.
            Como fui ingênuo, como fui tolo. Fui o responsável por destruir parte de mim mesmo, parte do que e de quem eu sou. Se soubesse que iria me sentir como estava me sentindo, jamais teria cogitado a possibilidade de voltar àquele lugar, e o teria deixado guardado para sempre onde ele jamais deveria ter saído: na minha memória. Mas agora é tarde. O estrago já havia sido feito, e só me resta chorar, dar vazão àquelas lágrimas da alma e deixar que elas banhem meu rosto e viver o resto da vida com o remorso por ter destruído uma infância ao querer reviver uma doce infância, mas, em seu lugar, ter me deparado com uma dura realidade...

domingo, 19 de maio de 2013

O Pássaro em Sua Gaiola



Vivia preso em uma gaiola um belo pássaro, um papagaio de um verde bonito. Tinha algumas penas na ponta de suas belas e grandes asas azuis e amarelas. Possuía em torno dos olhos algumas penas amarelas e, no peito, algumas vermelhas. Era um pássaro que desde pequeno vivia naquela casa, preso dentro de uma gaiola.
Era feliz, pois era bem alimentado, sabia falar algumas palavras e todos na casa o adoravam. Quando chegava alguma visita, antes mesmo da pessoa falar com os de casa, brincava com a ave e tentava fazê-la falar alguma palavra.
– Mãe, tem gente – falava o papagaio, como havia sido ensinado, sempre que via alguém estranho chegando a casa.
O visitante, ao ouvir isso, caía na gargalhada com a astúcia e inteligência da ave.
O papagaio falava outras tantas frases, assobiava e cantava. Todos os dias pela manhã, logo que acordava, dava “bom-dia” a todos em casa, chamando cada um pelo nome, e pedia café.
A ave era mesmo mais querida na casa do que o próprio cachorro.
Quando o papagaio via o cachorro, gritava, com sua voz rouca e fina, “pega, Rex”, como lhe ensinaram.
Apesar de viver encarcerada dentro de sua gaiola, onde mal podia abrir as asas, a ave se sentia feliz com seu lar, pois este era o único no qual vivera, e não sabia viver de outra maneira, pois nunca havia experimentado outra forma de aproveitar sua vida e suas asas.
O papagaio chegara mesmo até a esquecer que tinha asas, de tão esquecidas que elas ficavam, coladas junto a seu corpo, atrofiadas e cortadas em suas pontas, “para que ele não voe e fuja”, alegavam seus donos.
Certa vez, a ave, foi retirada de sua gaiola porque uma visita queria vê-la andar pela casa, livre, e deixá-la se empoleirar em seu ombro. Assim a ave o fez.
Ao ver a porta da gaiola aberta, o papagaio não soube o que fazer, pois nunca ninguém havia deixado a porta de sua “casa” aberta. Ele hesitou, sem saber o que fazer, como reagir. Seus pés, pesados, como se se negassem a obedecer, não queriam levá-lo para o lado de fora, onde aquele estranho o chamava. Mas de tanto o homem insistir, o papagaio conseguiu fazer valer a sua vontade, criou coragem e fez seus pés obedecerem às suas ordens.
Com seu “pé”, o papagaio segurou no dedo da mão do homem, que a oferecia para ele se segurar.
Sentindo-se insegura, a ave caminhou por todo o braço do homem, e, pela primeira vez em sua curta vida, sentiu o prazer de uma incompleta e imperfeita liberdade. Respirou profundamente e soltou um assobio alegre e gargalhou. Abriu suas grandes e belas asas e, meio sem jeito, as agitou. Como não sabia voar e tinha as asas podadas, acabou caindo no chão e se machucando.
Ao se estatelar no chão, a ave soltou um sonoro grito de dor e bateu freneticamente as asas.
Seus donos, muito preocupados com a ave, seguraram-na nos braços e verificaram se estava tudo bem. Para o alívio deles, e da própria ave, nada de grave ocorrera e eles a colocaram novamente dentro de sua gaiola.
Depois que as visitas foram embora e todos em casa se retiraram para seus quartos, deixando a ave sozinha, o papagaio começou a se observar. Olhava espantado para as suas asas. Era como se, pela primeira vez na vida, as tivesse notado. Com seus olhos arregalados, ele as contemplava e sorria por dentro, como se pela primeira vez na vida tivesse se dado conta de que era uma ave e provado o delicioso prazer da liberdade.
Naquela noite, o papagaio dormiu e sonhou com a porta da gaiola sendo aberta, com ele batendo as asas e caminhando livre por toda a casa.
No dia seguinte, como sempre, a ave deu “bom-dia” a todos e pediu seu “café”. Seu dono lhe serviu sementes de girassol e o “louro” começou a comê-las prazerosamente.
Durante o dia, ele foi novamente solto e, dessa vez, mais seguro de si, caminhou livremente por toda a casa durante um longo tempo, com as asas coladas ao corpo.
Quando seu dono se aproximou para pegá-lo, ele abriu suas asas e as bateu freneticamente, sem jeito, pois não sabia o que fazer com elas. Aquilo lhe deu um certo prazer e o animal começou a gargalhar e a gritar “pega, Rex”.
No dia seguinte, foi novamente solto e, cada vez mais confiante, controlou a batida de suas asas e chegou mesmo a se levantar alguns centímetros do solo. Seus donos imediatamente pegaram-no e cortaram a ponta de suas asas.
Sempre que os seus donos fizeram isso nas vezes anteriores, o papagaio ficava quieto, pois havia sido acostumado a assim proceder, mas dessa vez esboçou alguma resistência. Mas como não tinha suficientes forças para resistir, acabou tendo as asas cortadas em suas pontas.
Naquela noite, quando todos se retiraram e o papagaio ficou só, ele olhou para as suas asas e, vendo-as feridas e, naquele momento, inúteis, chorou.
No dia seguinte, no horário que tinha se acostumado devido aos dias anteriores, esperou ser solto para andar um pouco livremente pela casa. Mas nesse dia, não aconteceu o que ele esperava. Seu dono passou por ele, o cumprimentou e o deixou na gaiola, trancado. A ave não sabia o porquê daquilo e ficou triste durante todo o resto do dia e não abriu o bico uma vez sequer para falar, de tão frustrada que se sentia.
Os dias que se seguiram foram iguais aos anteriores: a ave acordava, não falava com ninguém, mas recebia sua comida na gaiola, duas vezes por dia, passava o dia inteiro sem abrir o bico, triste como estava, e ia dormir tarde da noite e sonhava com dias melhores, com dias em que seria novamente solta e poderia voltar a caminhar livremente pela casa.
Um dia, seus donos, preocupados com o estado, resolveram levar a gaiola para fora, a fim de que a ave pudesse tomar um “banho de sol”.
Chegando do lado de fora, o papagaiou guinchou e reclamou com aquela luz excessiva, que lhe feria os olhos e o cegava. Mas, depois que se acostumou com a luz e com o calor que emanava do sol, passou a se sentir confortável e bem com ela.
Os dias se passavam e quase todas as manhãs seus donos levavam a gaiola para fora para que o papagaio tomasse seu “banho de sol”.
Um dia, quando seus donos deixaram a gaiola com o papagaio do lado de fora e foram resolver alguma coisa dentro de casa, veio voando e pousou perto de onde a ave estava um pequenino pássaro, de cores muito vivas e belas. Ao avistar o passarinho, o papagaio começou a gritar, excitado, feliz por ver aquilo que jamais tinha visto em sua vida. O passarinho, ao ver o papagaio preso na gaiola, ficou com os olhos tristes ante aquela visão. Assobiou um canto triste, longo e tocante, tanto que mesmo nos olhos da ave encarcerada surgiram lágrimas.
Ao terminar seu canto, o passarinho, muito delicadamente abriu suas frágeis asas e as bateu e voou para longe.
Durante um longo tempo, o canto do passarinho ecoou dentro dos ouvidos do papagaio e a visão da ave solta, feliz por estar livre e voando pelos ares, enchia seus olhos e sua imaginação, sem limites, sem gaiolas e sem amarras, voava.
Dias se passaram e sempre que podia, o passarinho vinha visitar seu amigo engaiolado, preso, e com estas visitas, o papagaio sentiu, dentro de si, o inexorável desejo de ser livre, de voar. A cada vez que ele via o passarinho, ele sentia esse desejo aumentar.
Dentro de sua própria gaiola, mesmo pequena, o papagaio abria suas asas e ensaiava um voo.
Um dia, quando seu dono trocou sua água pela manhã e colocou as sementes de girassol dentro de seu cocho, por descuido, não travou direito a porta. Colocou a gaiola, como vinha fazendo todos os dias, no lado de fora de casa e, em seguida, voltou para dentro a fim de cuidar de seus afazeres domésticos.
O passarinho apareceu naquele dia e pousou ao pé da gaiola. O papagaiou abriu suas asas, como que para mostrar que tinha aprendido a voar, se aproximou do passarinho e olhou bem dentro de seus olhos. Ele andou de um lado para outro da gaiola, excitado, como se estivesse procurando alguma brecha por onde pudesse escapar, até que parou de frente à porta. Para seu espanto e alegria, a porta se abriu. Meio hesitante, o papagaio olhou para baixo e voltou alguns passos, pois tinha medo de voltar a cair. Ao dar esses passos para trás, o passarinho levantou voo e pousou suavemente dentro da gaiola e começou a assobiar, dessa vez com uma voz mais alegre. O papagaio, contagiado por aquela alegria, se dirigiu novamente até a porta da gaiola. O passarinho saltou no chão e pousou suave como uma pluma. O papagaio, ainda com receio de cair e se machucar, demorou a criar coragem para saltar. Mas encorajado pelo amigo, saltou. Bateu as asas freneticamente, de forma que uma pequena corrente de ar se fez sentir e o barulho foi tão grande que o dono do animal veio correndo para ver o que se passava.
Ao chegar do lado de fora de casa, o homem viu seu papagaio do lado de fora da gaiola, livre. A ave olhou para seu dono, para a gaiola e para o passarinho, que a seu lado deu um impulso e levantou voo, livre. O papagaio abriu suas belas e grandes asas e, a princípio meio sem jeito, mas aos poucos ganhando confiança, tomou altura e logo estava voando, sentindo o ar puro encher seus pulmões, o vento por baixo de suas asas e o sabor da liberdade. Enquanto estava no ar, olhou para trás e viu, lá embaixo, sua gaiola, onde tinha estado preso por tanto tempo, a qual chamava de lar. Voltou sua atenção para o voo, para tudo que tinha diante de si. Ao seu lado voava o passarinho, como que para encorajá-lo.
O papagaio agora tinha como lar o céu e como maior alegria o prazer de ser livre.

domingo, 12 de maio de 2013

A Sedução da Noite



Quando a noite caiu, o pegou desprevenido ainda na rua. Enquanto se dirigia apressado para sua casa, o céu ia se adensando sobre sua cabeça e as sombras ao seu redor ir crescendo e se tornando mais e mais assustadoras, como se o quisessem engoli-lo, traga-lo, seduzi-lo e trazê-lo para seus braços. Seu coração batia acelerado, ameaçando sair por sua boca ou explodir em seu peito. Sentia o peso de seus pés, que, com o medo que sentia, pareciam querer ficar presos ao chão, como as raízes daquelas árvores que estavam ao seu redor, que pareciam querer abraçá-lo lançando seus enormes e pesados galhos quando ele não estava olhando.
            Desde pequeno, ouvira histórias contadas pelos mais velhos, que relatavam os perigos da noite escura, e crescera com aquelas palavras ainda reverberando em sua cabeça, sentindo um medo latente sempre que via os últimos raios do sol desaparecendo no horizonte. Nessa hora, ele fechava todas as janelas da casa para que nenhuma sombra entrasse e ele ficasse ali, seguro e iluminado por luzes artificiais.
            Nunca tinha contemplado o céu à noite, visto as estrelas e ou a lua, e apesar do medo que sentia, das ameaçadoras sombras e do céu escuro sob sua cabeça, começou a diminuir os passos, pois viu que a noite não era tão escura quanto seus medos diziam, chegando mesmo a parar e olhar para o alto, mirando a majestosa lua, que de tão clara iluminava tanto quanto um sol de meio-dia.
            O medo foi se dissipando e seus passos foram ficando mais lentos. Não tinha mais pressa de chegar a casa e seu coração já não mais batia acelerado. Na sua contemplação à beleza singular da noite, acabou se perdendo, e quando deu por si, não reconheceu o lugar onde se encontrava. Mas mesmo se dando conta de que estava perdido, ainda tão longe de casa, não teve medo, pois a noite sobre sua cabeça estava clara como o dia e os perigos que, nas histórias que ouvia, ela escondia, não existiam.
            As horas foram passando sem que ele se desse conta e a medida que e aproximava da meia-noite, a noite foi se tornando mais escura e ameaçadora. Ele se deu conta disso, e através de uma árvore ou de uma pedra na estrada, foi tentando reconhecer e retomar o caminho de casa, mas quanto mais andava, mais se sentia perdido. Chegou a parar algumas vezes, olhar ao seu redor, sem saber para onde se dirigir, o que fazer...
            A noite se adensava ao seu redor. Soprava um vento frio que lhe fazia gelar todos os ossos do corpo. Sentia fome, mas o medo era mais forte e o obrigava a sempre seguir em frente em busca de algum sinal, de algo que o fizesse lembrar-se da trilha que pudesse levá-lo para o conforto e a segurança de seu lar.
            Cansado, com o corpo clamando por um descanso, ele se sentou na beira da estrada e abraçando os joelhos, deixou que os pensamentos vagassem a toa e assim o levassem a algum lugar, mas eles teimavam em continuar ali, onde ele estava, parado.
            Ele então se levantou novamente e continuou a andar a esmo, para onde quer que seus passos o levassem. Quando mais andava, mais era tragado pela noite, que o seduzia, que o trazia para junto de seu seio, que o abraçava com seus braços longos e frios do vento da meia-noite.
            Ele percebeu o quão a noite era sedutora quando olhou novamente para o alto e não mais enxergou a primeira beleza, aquela como ela havia se apresentado e o fez baixar a guarda e perder momentaneamente os medos, que agora voltavam à tona e lhe tomavam por inteiro.
            Os barulhos do silêncio da noite foram se aproximando e se fechando ao seu redor e quando ele deu por si, foi inteiramente tragado pelos perigos da noite.
            Nunca mais foi visto por nenhum olho de um alguém vivo, mas todos conhecem a sua história, a que fala do homem que se deixou seduzir pela beleza e se esqueceu dos perigos que a noite esconde...