sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Todos merecem uma segunda chance

            Existe algo com que mais convivemos em nossas vidas do que o erro? Talvez não. Todos nós, desde cedo, aprendemos a conviver com os erros que cometemos e com as consequências que estes trazem. É através deles que aprendemos a distinguir o que é certo do que é errado, o que podemos, e devemos, ou não fazer. É através desse eterno aprendizado, entre erros e acertos, que moldamos o nosso caráter, que vivemos as nossas vidas.
            Todo acerto nos eleva, assim como todo erro tem uma consequência. Algumas são graves, outras nem tanto. O que elas têm em comum é que, independente da gravidade, de como se errou, das circunstancias que acarretaram em tal erro, todos merecem uma segunda chance.
            Assim como convivemos ao longo de toda a nossa vida com os erros, por conta destes, aprendemos a sentir o arrependimento. Todos sentimos arrependimento por algo, por um erro que se cometeu, por algo que se fez ou que deixou de se fazer, por uma palavra dita ou por uma que se deixou passar. E quando nos damos conta do erro pelo ato cometido, ou pelo que se deixou de cometer, sentimos um gosto amargo na boca, uma respiração pesada, uma opressão no peito, uma vergonha, um arrependimento. Ao sentir o arrependimento, todos, independente de sexo, idade, cor, religião, opção (ou orientação, como alguns querem) sexual, pedimos, por vezes até imploramos, por uma segunda chance, que é um direito inerente ao ser humano. Acho até que no Código do Ser Humano, a que estamos submetidos desde que nascemos até o último dia de nossas vidas, deveria ter um artigo específico sobre isso: erros, arrependimentos, segunda chance e acerto (nessa ordem). No entanto, ante a complexidade do assunto, frente às circunstâncias, aos atenuantes de cada erro, é difícil se falar na segunda chance, pois esta envolve muito mais do que dois lados, o da pessoa que errou, arrependida, que “exige” a sua segunda chance, e o da segunda pessoa, vítima do erro, que tem em suas mãos a opção de perdoar ou não o erro, de dar ou não a merecida (em alguns casos não-merecida) segunda chance.
            A pessoa que sai de casa tem o direito de sentir saudade e arrepender-se, de pedir para voltar; o homem que trai, pode, em meio a traição, pensar não na pessoa que está, naquele momento, mas na que verdadeiramente ama, que está em sua casa, a esperá-lo; o filho que, num ato de rebeldia, briga com os pais, tem o direito de, no final do dia, voltar para casa e desculpar-se com um abraço apertado e dizer que não mais vai voltar a agir daquela maneira; uma pessoa que fala sem pensar pode, antes do final da frase, utilizar-se de seus conhecimentos lingüísticos e dar um novo rumo ao que estava dizendo ou simplesmente terminar a conversa com um “desculpe pelo que disse”; uma outra, que não falou o que deveria, por medo ou insegurança, sempre pode inflar o peito e proferir aos quatro cantos do mundo a palavra, sempre pode correr atrás do tempo perdido e aceitar todas as consequências. Lógico que há situações de enorme responsabilidade, que não permitem um erro, como a que vivem os médicos, juristas, engenheiros e tantos outros profissionais, mas quando entramos nesse âmbito, falamos não no humano, mas sim no profissional. O homem erra, o profissional, este, dependendo da profissão, não pode errar. (mas o alvo dessa crônica é o humano, portanto, voltemos ao assunto).
            Errar é humano, arrepender-se é natural, pedir uma segunda chance é sinal de humildade. Mas tudo isso só é possível, só se fecha o ciclo, com a palavra do segundo humano, que, nesse caso, passa a ser não humano, mas adquire proporções verdadeiramente divinas, pois está em suas mãos o poder, que lhe é concedido, de dar essa segunda chance, o poder de perdoar o erro cometido.
            Não existe ser humano perfeito. Fomos feitos imperfeitos em nossa essência, e talvez por isso, por essa consciência de imperfeição, tanto a buscamos. Talvez um dia possamos, se não alcançá-la (na verdade nunca a alcançaremos), pelo menos nos tornar mais humanos, possamos nos tornar melhores, não só para nós mesmos, mas principalmente para os outros. E como podemos continuar nessa busca? Simples: vivendo, errando, nos arrependendo, pedindo perdão, sendo perdoados, mas, acima de tudo, também perdoando. Sempre, a vida tem dois lados, e da mesma forma que erramos e pedimos perdão, num momento seguinte somos a vítima do erro e nos é pedido esse perdão. Afinal de contas, nada mais humano do que ter e ser os dois lados, do que ser perdoado, mas também perdoar.
            Experimente, viva, erre, saiba quando pedir uma segunda chance, quando pedir perdão, mas saiba, acima de tudo, quando dar essa segunda chance, quando perdoar. A vida é uma via de mão dupla. Pense nisso.

domingo, 19 de setembro de 2010

Rótulos: impossível fugir deles

‘tá aí algo de que é impossível fugir: rótulos. Às vezes até tentamos e em determinadas situações conseguimos quebrá-los e até manter uma certa imparcialidade, mas, de maneira geral, os rótulos estão aí.
            Estamos cheios de exemplo, em todas as áreas, e muitas vezes mesmo os rótulos são frutos de um trabalho, de um reconhecimento, de algo que foi feito e se destacou, tornando-se, assim, uma referência, um rótulo. Na literatura também há rótulos. Há autores que se destacaram por determinado estilo, por determinada obra e não é difícil se apontar um autor e rotulá-lo disso ou daquilo outro. Nabokov, por exemplo, ficou reconhecido internacionalmente, principalmente, por conta de sua obra-prima Lolita, e que pela temática da obra, repleta de sensualidade, paixão, obsessão e desejo, lhe fez recair sobre os ombros um rótulo que o acompanhou por toda a sua vida. Balzac, clássico da literatura francesa, também. Sua obra é vastíssima, de uma riqueza e importância ímpar, não só na literatura de seu país, no seu tempo, mas mundial, e ficou muito conhecido por conta de sua obra A Mulher de Trinta Anos. Esse “rótulo” acabou extrapolando as linhas e páginas da literatura e as mulheres da faixa etária na casa dos trinta ficaram conhecidas como “Balzaquianas”. A literatura está cheia de outros exemplos desse tipo. Gabriel Garcia Marquez conhecido por conta do seu “realismo fantástico”, J. D. Salinger por conta de O Apanhador no Campo de Centeio, Steinbeck foi rotulado de “cronista da depressão”, Alexandre Dumas de ser um boêmio, Sade de... bem, de Sade não é bom a gente falar aqui, afinal de contas, este blog é democrático, para ser lido por pessoas de todas as idades.
            Mas os rótulos, apesar de representarem um reconhecimento, também são perigosos, já que muitas vezes ele é tão forte e marcante que o autor, na condição de “vítima”, fica tão preso a ele é impossível dissociar o autor do rótulo. Para o leitor, muitas vezes, é quase impossível. Sempre que lemos um Sade (lá vem o Sade de novo!) pensamos logo no quê? Ao nos debruçar sobre um Steinbeck, por exemplo, esperamos uma história com um pano de fundo histórico da grande depressão, pós-29. Impossível ler Salinger e não pensar no Apanhador no Campo de Centeio. Difícil ler Gabriel Garcia Marquez e não ficar com a história de Cem Anos de Solidão, obra-máxima, que melhor caracteriza seu “realismo fantástico”, ecoando em sua cabeça. Complicado. Complicadíssimo, na verdade. De quem é essa culpa? Do escritor? Do leitor? Das pessoas que solidificaram esse “rótulo”? Talvez um pouco de cada.
            Afinal de contas, rótulos são bons ou ruins? São bons, mas também são ruins (nossa, eu também compliquei tudo agora! Perguntei tudo, falei de tudo, e não falei de nada. Paciência, amigo leitor, que eu vou conseguir fechar esse texto. Ah, se vou!).
            O escritor é refém, sim, dos rótulos, mas nós, leitores, também. Nós, leitores, muitas vezes, ao ler um livro de determinado autor já vamos com aquela ideia preconcebida. Queremos, sim, encontrar algo novo, diferente, que nos surpreenda, mas o rótulo está de certa forma tão enraizado em nossa cabeça que impede a nossa leitura e interpretação de tal obra. No entanto, quando conseguimos esquecer o nome e o rótulo nos focamos só e unicamente na obra...
            Li recentemente um livro que me surpreendeu enormemente, que está ecoando em minha cabeça até hoje: Negrinha, de Monteiro Lobato. Lobato, como todos sabem, é o criador de O Sítio do Picapau Amarelo, uma das maiores obras, uma referência na literatura infanto-juvenil, portanto, Lobato “é escritor de livros infanto-juvenis”, certo? Parcialmente certo. Sua obra maior, conhecida internacionalmente, é dentro da literatura infanto-juvenil, e sua importância é inegável. Difícil encontrar uma criança ou adolescente que não tido contato com nenhum livro, personagem ou mesmo assistido ao seriado, lido uma revistinha que não tenha, de uma forma ou de outra, a ver como Monteiro Lobato. Ele imortalizou personagens, histórias, aproximou a literatura de crianças e adolescentes e (por que não?) continua a encantar adultos (jovens de todas as idades). Devido a sua importância dentro do gênero infanto-juvenil, acabou por lhe pesar o rótulo “de escritor para crianças e jovens”, quando, na verdade, sua obra é bem mais ampla e atinge a um público bem mais amplo.
            Eu, por exemplo, sou uma vítima do rótulo que recai sobre Monteiro Lobato. Meu contato com ele só se deu em minha infância, quando li um ou outro livro dele e quando assistia aos episódios do sítio, em uma de suas adaptações para a televisão, e só. Talvez por que tenha ficado com o rótulo-Lobato na cabeça nunca tenha me aproximado dele, nunca tenha procurado ler algo “diferente” de Monteiro Lobato. Mas eis que, numa de minhas “andanças pela livraria”, me deparo com um de seus livros, Negrinha, e resolvi lê-lo. Antes de abrir o livro me muni de todas as proteções, confesso. Logo nas primeiras palavras vi que o rótulo de “escritor para crianças” que é dado a Lobato é justo, sem dúvida, mas percebi que ele não é só escritor para crianças. Suas histórias, sua escrita, encanta, cativa e envolve leitores de todas as idades. Ler Negrinha, de Monteiro Lobato, me foi uma experiência única dentro da literatura brasileira, pois há tempos não lia um livro de contos assim, tão belo, tão bem escrito, com histórias tão cativantes, tão ímpares, cada uma melhor que a outra. Muitas vezes, quando lemos um livro de contos, com tantas histórias, tão diferentes umas das outras, ficamos com aquela impressão de que “essa história é melhor que aquela”, “gostei mais dessa outra”, “me identifiquei melhor com tal”, “preferi essa história” e uma infinidade de outras opiniões semelhantes. Nesse livro não me ocorreu, em nenhum momento, nenhuma dessas “definições”. Gostei de todo o livro, de todas as histórias e de todos os personagens.
            Rótulos são perigosos, sem dúvida, e por isso nós, leitores, não devemos nos limitar a eles. Devemos, sim, quebrá-los, nos permitir, nos surpreender com os livros, com as histórias e personagens. Sei que é impossível se fugir deles, mas se pelo menos pudermos esquecê-los, nem que seja pelos instantes que se demora a leitura, isso nos trará grandes e gratas surpresas.
            Rótulos: impossível se fugir deles, sim, mas não impossível de serem quebrados.

sábado, 18 de setembro de 2010

Mané Beradeiro em Causos e Poesias - tarde de autógrafos


tarde de autógrafo, na livraria Poti, no Praia Shopping. Venha conhecer Mané Beradeiro, escutar causos e ouvir poesias matutas.
Mané já é bem conhecido no seio da comunidade escolar, pois há 1 ano e 7 meses que ele faz parte do projeto Momento do Livro.

domingo, 12 de setembro de 2010

Primeiro Concurso Sol de Literatura Potiguar - edital

A Editora Sol, em parceria com a Livraria Siciliano e o Colégio e Curso CDF, lança a primeira Edição do Concurso Sol de Literatura Potiguar, na categoria ficção.
Regras: 
1 – A obra deverá ser inédita;
2 – O autor deve ser residente no estado do Rio Grande do Norte;
3 – O livro deverá figurar na categoria ficção, sendo aceitas obras de romance, novelas ou seleção de contos;
4 – O autor poderá inscrever apenas um livro.
Inscrição:
1 – A inscrição pode ser feita nas livrarias Siciliano, localizadas em Natal (nos shoppings Midway Mall ou Natal Shopping) ou em Mossoró (no Mossoró West Shopping) no período entre 1 de outubro de 2010 à 31 de dezembro de 2010;
2 – No ato da inscrição o autor deverá entregar três vias impressas, encadernadas, com uma folha de rosto na qual deve conter apenas o título do livro e o pseudônimo (se houver), e uma cópia eletrônica (em CD ou DVD), de acordo com a formatação definida pela organização do concurso (texto em fonte Times New Roman ou Arial, tamanho 12, com espaçamento 1,5 entre linhas, podendo ter entre 70 a 300 páginas);
3 – O autor que, no ato da inscrição, não entregar o livro na formatação definida nem todas as cópias, não terá seu trabalho analisado pela banca examinadora;
4 – Caso o livro possuir menos de 70 páginas ou mais de 300, será imediatamente anulado.
Julgamento: 
1 – A banca examinadora será composta por escritores, especialistas em literatura e professores de literatura;
2 – O critério para a escolha da obra vencedora é o mérito literário, cabendo ao júri a decisão final, para a qual não será aceito qualquer tipo de apelação.
Premiação: 
1 – O vencedor do Concurso Sol de Literatura Potiguar será divulgado em 15 de março de 2011 e o livro será publicado pela Editora Sol no primeiro semestre de 2011, sendo a primeira tiragem de 250 exemplares sem qualquer ônus ao autor;
2 – O autor terá direito a 20 exemplares e a 10% do valor de preço de capa do livro, quando da sua efetiva comercialização pelo prazo de 1 ano após a publicação, ficando a editora com exclusividade da impressão, publicação e distribuição da obra;
3 – O autor terá direito a uma noite de autógrafos, na ocasião do lançamento do livro, a ser realizada na Livraria Siciliano.
Outras considerações: 
1 – As inscrições são gratuitas;
2 – É vetada a participação de qualquer membro ou parente de até segundo grau da Banca Examinadora, funcionários da editora, livraria Siciliano ou do Colégio e Curso CDF;
3 – É de inteira responsabilidade do autor comprovar a autoria e o compromisso de que sua obra é inédita. Caso seja comprovado que a obra em questão tenha sido anteriormente publicada, a inscrição será imediatamente anulada;
4 – Nenhuma obra será devolvida após o término do concurso;
5 – Em caso a primeira tiragem do livro venha a se esgotar antes do prazo de 1 anos após a publicação, a editora terá o direito de lançar uma segunda, com a quantidade de livros ainda a definir;
6 – Ao se inscrever neste concurso, o autor estará inteiramente ciente de suas regras e concordando com este edital.

domingo, 5 de setembro de 2010

O Palácio de Inverno

Sempre que lemos um livro que nos surpreende, que ficamos com ele “ecoando” em nossas cabeças por dias a fio, passamos a viver uma espécie de ansiedade pela leitura do seguinte do mesmo autor. Uma ansiedade, mescla de grande expectativa com um certo temor. Temor porque, caso o livro (o segundo) não nos agrade tanto quanto o primeiro, ficaremos com um gosto de frustração na boca, gosto este que vai acabar até “amargando” o sabor do primeiro livro. Por outro lado, a expectativa é tamanha que acabamos não resistindo e mergulhando na história daquele segundo livro. Às vezes gostamos, outras vezes não; às vezes a expectativa é superada, em outras ficamos frustrados, mas, de maneira geral, usamos, nesses casos, duas expressões: “é tão bom quanto o primeiro” ou simplesmente “é bom, sem dúvida, mas o primeiro é melhor”. É difícil se falar que o segundo é melhor. Lógico que há muitos casos em que o segundo supera em diversos aspectos o primeiro, mas, sempre, o primeiro livro se torna o “parâmetro”. E quando se chega um terceiro livro? Nossa, aí nós, leitores, ficamos em polvorosa! Será que ele é tão bom quanto o primeiro? Será que ele supera o segundo? Será que o autor segue mais a linha do primeiro ou do segundo? Será que vale a pena lê-lo, já que já li dois livros desse mesmo autor? Entre outros questionamentos que costumamos nos fazer ante tal situação.
            Com John Boyne, comigo, aconteceu a mesma coisa. Li O Menino do Pijama Listrado e adorei. Achei-o um livro belíssimo, de rara sensibilidade, um livro para amantes de livros, de literatura, que não leem só por ler, que entram na história e a vivem da primeira à última página. Com o lançamento do segundo livro do autor, O garoto no convés, vivi os dilemas e expectativa do “segundo livro”. Gostei muito do segundo, sem dúvida. Vi as semelhanças da delicadeza da escrita, vi um roteiro melhor trabalhado, mais personagens, mais situações, uma história mais longa, etc, etc e etc. mas, mesmo com isso tudo, o primeiro ainda tornou-se a minha referência tratando-se de John Boyne. Agora o autor lança seu terceiro livro no Brasil, O Palácio de Inverno, e eu fiquei algumas horas me perguntando se valeria a pena lê-lo. Eu olhava para o livro, o livro olhava para mim, e eu acabei não resistindo. Fui ler o livro “desarmado”, imaginando que iria encontrar, sem dúvida, uma história bem contada, enfim, um bom livro, talvez melhor que o segundo, mas dificilmente tão magnífico quanto o primeiro. Que grata surpresa descobri naquelas páginas, naquelas palavras, naquela belíssima história! Devorei o livro em poucos dias e estou com a história, com passagens inteiras do livro, com determinados personagens e com um cálido sentimento ainda ecoando em minha cabeça, mesmo após o fim de sua leitura.
            O Palácio de Inverno é um livro belíssimo, como eu não lia, já, há algum tempo. Livro delicado, bonito, terno, cativante, bem contato, com lindos personagens e, acima de tudo, que trata, entre outras coisas, do mais nobre e belo dos sentimentos humanos: o amor. Isso mesmo. O livro fala de amor! Tem um pano de fundo histórico muito bem elaborado, possui um roteiro ímpar, com duas histórias, com dois tempos, que são conduzidos de forma magistral de encontro um ao outro, tem personagens reais mesclado com outros tantos fictícios, tão reais quanto os que existiram, mas tem, também, uma linda história de amor. Não uma história de um amor platônico, meloso, impossível, mas sim do sentimento tal como ele é, para ser sonhado e vivido e, principalmente, amado.
            O livro narra a história do jovem camponês Geórgui Jachmenev que vive numa remota aldeia no interior da Rússia. Na ocasião da passagem do grão-senhor Nicolau Nicolaievich, pela aldeia, Geórgui impede um atentado à vida do irmão do czar, que seria levado a cabo por seu único amigo, a quem queria como um verdadeiro irmão. Por tal ato de coragem lhe é concedido um lugar de honra na corte do czar Nicolau II, mas, por outro, valeu a vida de seu amigo/irmão, que por sua insensatez é julgado e executado.
            De simples mujique, vivendo numa afastada aldeia, Geórgui passa a viver em São Petersburgo, no Palácio de Inverno, uma das residências oficiais do czar. Lá, o menino será encarregado de ser um amigo e guarda-costas pessoal do filho do Nicolau II, Alexei, a quem se destina o trono e lugar de czar da Rússia. A Rússia, no entanto, nesse período, está passando por um longo período de conflitos externos e algum descontentamento dentro do próprio país.
            Acompanhamos, em O Palácio de Inverno, não só a vida de Geórgui Jachmenev e sua adoração por Anastácia, filha do Czar, e seu amor incondicional por Zoia, mas parte da história da Rússia do período da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Bolchevique, além de diversos outros acontecimentos da história do sec. XX. História e ficção, personagens reais e fictícios se misturam em O Palácio de Inverno, uma leitura extremamente prazerosa, bela, cativante e tocante, uma verdadeira obra-prima da literatura mundial.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Na pior das hipóteses...


Após um longo e estafante dia de trabalho um casal se dirigia a casa. Estavam ansiosos, tanto ele como ela, pois aquele era o primeiro dia em que o filho ficaria em casa sozinho depois de chegar ao colégio. Decidiram, de comum acordo, que o menino já estava grandinho para ter babá e já podia passar algumas horas sozinho em casa, enquanto eles não chegavam, embora ela ainda o achava muito jovem, afinal de contas, “vai que acontece alguma coisa!”, dizia ela, arrepiada só de pensar, e arrependida, pensando em pegar o telefone e ligar imediatamente para a ex-babá e readmiti-la. Só não fez isso porque o marido a impediu. Estava ansioso, sem dúvida, mas orgulhoso. Afinal de contas, as primeiras horas sozinho em casa fazia parte de um processo natural de iniciação de todo homem. Era naquele momento que se deixava de ser criança e passava-se a ser adolescente e daqui a pouco, homem.
            - Não dá para ir mais rápido? – olhava ela para o relógio.
            - Não se preocupe, amor. Ele está bem – respondeu ele.
            Quando o carro parou num cruzamento, ela reclamou.
            - Por que você parou? Aconteceu alguma coisa? Você por acaso está sentindo alguma coisa que eu, como mãe, não estou sentindo? Conte-me, por favor. Não me deixe nessa agonia.
            - Amor, eu só parei o carro porque o sinal fechou – falou ele, já se deixando contagiar com a ansiedade da esposa.
            Pegaram trânsito lento, sinais fechados, tiveram que fazer um desvio, que, no final das contas, acabou atrasando-os ainda mais. Finalmente, quando chegaram ao bairro, escutaram um som muito alto, tocando uma música da moda, dessas que os adolescentes de hoje costumam ouvir.
            - Nossa, esses adolescentes de hoje escutam cada coisa!
            - Pois é, querido. No nosso tempo ainda havia música de verdade. Ainda lembro quando você ia me levar para passear e escutávamos juntos Fábio Junior.
            - Pois é, querida – falou ele, em seguida ficou em silêncio. Gostava, sim, daqueles tempos do namoro, mas não gostava de lembrar que um dia escutou Fábio Junior. Com certeza, naqueles tempos era só para agradá-la, para se mostrar romântico e sensível.
            Quando dobraram a esquina e sua rua, o som ficou ainda mais alto e conseguiram identificar a música. Era de um cantor mundialmente conhecido, que tinha uma voz muito fina, como a de uma menina que acabou de entrar na puberdade.
            - Que música horrível!
            - Fecha os vidros do carro, amor.
            Ele então fechou os vidros, mas era tarde demais. Haviam escutado o refrão da música, que ficou ecoando em suas cabeças. Era algo como “Baby, Baby, Baby, oooohhhh!, Baby, Baby, Baby, oooohhhh!”, com aquela voz irritante, que o ouvinte não conseguia identificar se era de um menino ou de uma menina, embora todos afirmassem que, sim, se tratava de um menino!
            Horrorizados, perceberam que aquele som insuportavelmente alto vinha de sua casa. Ele parou o carro bruscamente em frente de casa, olhou para ela e ambos falaram em uníssono: “Junior!”. Abriram as portas e correram. Na pressa, ela esqueceu de pegar a bolsa e ele as chaves de casa, junto com o chaveiro dentro do porta-luvas. Tiveram que recorrer a campainha. Estavam desesperados, quando, finalmente, na pausa entre uma música e outra, o menino, dentro de casa, ouviu os gritos da mãe. Abaixou o som e foi abrir a porta.
            Os pais entraram em casa e viram tudo organizado, nos seus devidos lugares. O único problema era aquele som. O menino, desinibido que era, voltou ao que estava fazendo antes: ouvir música e ensaiar os passos de dança do cantor.
            Eles chamaram o jovem, explicaram que não deveria escutar música naquele volume de som, que incomodava os vizinhos, etc, etc e etc. Jantaram, tranquilamente, e depois que o menino foi se deitar, ficaram os dois, na sala, em silêncio, um olhando para o outro. Antes mesmo de abrirem a boca, já estavam de acordo com o retorno da babá. Lógico que, pela idade do menino, não iriam mais chamá-la de “babá”. Iriam contratar uma pessoa para cuidar da casa, da arrumação, para cozinhar e até, para, vez por outra, dar uma olhada em Junior, mas não para ser sua babá. Era melhor que tivesse alguém em casa até o menino poder realmente ficar sozinho de casa e, na pior das hipóteses, era melhor ele escutar (devido a influência da “babá”) sertanejo, forró ou coisa que o valha do que as músicas que os adolescentes de hoje em dia ouvem.